sábado, 8 de dezembro de 2012

Relato de uma soro positiva anônima


Essa é uma longa história que mudou minha vida. Aconteceu há dezessete anos atrás, mas pra dizer a verdade o início de tudo se deu há vinte e seis anos. Foi quando conheci meu primeiro amor. Eu era novinha, bobinha e apaixonada. Engravidei aos dezessete anos, ele tinha dezenove. Éramos duas crianças, não tínhamos noção do que estávamos fazendo. Casamos, mesmo sem ter condições. As famílias ajudavam no que podiam, nossa vida era confusa, ele só queria saber de ficar nos botecos enchendo a cara, jogando sinuca e aprontando. Eu burra que era, ficava em casa chorando.

Aos dezenove anos engravidei do segundo filho. A essa altura do campeonato nossa vida já estava um caos, mas mesmo assim eu curti muito a gravidez. Foram quase sete anos de casamento, brigas e separações. Até que criei coragem e pedi a separação definitiva. Foram seis meses de brigas, baixarias, até na delegacia fomos parar. Ele não queria assinar os documentos, comprou uma arma e disse o famoso chavão:

"Se você não vai ser minha, também não vai ser de mais ninguém!!!"

Me arrumei, arranjei um emprego, fiz novas amizades e voltei a boa e velha rotina. Nunca saí por aí gritando aos quatro ventos que sou portadora do HIV, isso só diz respeito a mim, a minha família e quem eu achar q mereça saber. Sou uma mulher bastante bonita, tenho boa aparência mesmo, sou inteligente e sempre fui muito paquerada. Aí vai um alerta: 
Ninguém trás escrito na testa que tem o vírus, portanto NUNCA transe sem camisinha.

Logo que voltei a vida normal fui á uma pizzaria para comemorar o aniversário de um amigo e lá apareceu um bonitão cheio de "lero lero". Ele me convidou para jantar, eu aceitei. Nós mal nos conhecíamos, para mim não passaria jamais de um jantar, por isso não vi necessidade de contar nada a ele. Só que o "lindinho" me levou para dar uma "esticadinha" na noite e depois que saímos da pizzaria, ele estacionou o carro na porta de um motel. Eu disse que não queria entrar, ele começou a me agarrar dentro do carro, eu empurrei várias vezes como forma de rejeição mesmo e ele veio com estupidez e chegou ao cumulo de dizer:

"Paguei o jantar e não vou ficar sem sobremesa!"

Se eu fosse uma pessoa sem caráter, teria entrado no motel, feito sexo com ele a noite toda e só depois contado para ele a verdade ou até quem sabe nem teria contado nada? Só que jamais faria isso, entre um empurrão e outro falei:

"Eu tenho HIV, sou soropositiva, tenho AIDS e não vou entrar nesse motel! Por favor, me leve para casa agora."

Ele me largou, ficou pálido, mudo e sem ação. Dirigiu caladinho sem nem me olhar no rosto. Me deixou em casa e sumiu. Dias depois me ligou, disse que precisava falar comigo. Nos encontramos e conversamos muito. Ele pediu desculpas e agradeceu por eu ter sido sincera. Ele disse que aquela noite mudou a vida dele. Se fosse outra pessoa, talvez não faria o mesmo que eu fiz: FALAR A VERDADE!

Depois disso vieram outros, mas eu não queria saber de ninguém. Até que apareceu alguém especial e olha aí o meu coração batendo forte de novo!!! Tive que contar toda a verdade á ele, senti medo de ser rejeitada, mas mesmo assim falei a verdade. Por ele não ser portador, achei que seria impossível termos alguma coisa, mas me enganei. Namoramos durante quatro anos. Nunca fiquei doente, nunca fui internada. Ninguém diz que sou portadora do vírus da AIDS. As pessoas sempre falam do meu alto astral, da minha alegria, da minha beleza... Posso jurar a quem quiser que ninguém, mas ninguém mesmo que me conhece pessoalmente imagina que tenho HIV positivo.

Volto a repetir: não pensem que foi fácil ou que é fácil lidar com isso. Acordar todos os dias sabendo que dentro do meu corpo tem um vírus que pode me matar, é ter consciência de que a morte está presente comigo o tempo todo. Nunca fui internada, nunca fiquei doente, mas tenho que tomar quatro comprimidos caríssimos por dia pelo resto de minha existência para me manter viva e saudável.

Não bebo, não fumo, nunca usei droga. Me contaminei dentro de casa, na minha cama, fazendo amor com meu marido. Ele foi o segundo homem com quem tive relação sexual em minha vida e eu confiava nele e o amava demais.
Gente, AIDS não é brincadeira, não existe grupo de risco e sim COMPORTAMENTO DE RISCO. Tem que transar de camisinha SIM. Preconceito é a maneira mais fácil e rápida de você se contaminar. Ninguém está imune, a menos que use camisinha SEMPRE, mesmo fazendo sexo oral, pois muitos não acreditam que também se contrai o vírus praticando sexo oral, é uma verdade mais que COMPROVADA!

Tudo isso aconteceu comigo porque nunca ouvi meus pais, sempre fiz o que me dava na cabeça. Achava que AIDS era coisa de gay, drogado e vadia. Queimei a língua!!!

Engravidei aos dezesete anos porque me achava a espertalhona, a moderna e a dona do meu nariz. Quebrei a cara!!! Casei com o cara errado e tive dois filhos com ele e que não têm culpa da minha burrice e desobediência. Por quê não obedeci aos meus pais? Tarde para me perguntar isso, não acham? Eles sempre foram contra, mas eu achava que sabia o que era melhor para mim. Resultado: Me ferrei!!! Isso é BEM FEITO!!! Enfim, só fiz merda MESMO!!!

Hoje eu posso dizer que amadureci, aprendi a dar valor á vida, á família e ao verdadeiro amor. A começar pelo amor próprio. Quem se ama, se cuida e cuida dos outros também. O que não quero de ruim para mim, jamais desejo ao próximo. Otimismo, fé, coragem, perseverança, honestidade, amor ao próximo ... Tudo isso é o que me mantém viva e feliz até hoje.



Fonte: amigos.mdig

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